História Aty Guasu

Tonico Benites-Guarani-Kaiowá e pesquisador da UFRJ

História da invasão do território Guarani Kaiowá

Tekoha Guasu Guarani e Kaiowá, 18 de dezembro de 2012.

segunda-feira, 30 de abril de 2012

História da ATY GUASU GUARANI-KAIOWÁ/MS, entenda o contexto.

Autor: Tonico Benites-Guarani-Kaiowá e pesquisador da UFRJ

O povo Guarani-Kaiowá de Mato Grosso do Sul não assistiu calado à ocupação de seu território. Pelo contrário, muitos resistiram desde que o território que hoje corresponde ao sul desse Estado foi incorporado ao Brasil, após o fim da Guerra do Paraguai. Sobretudo nas últimas três décadas - após a redemocratização brasileira - as manifestações das lideranças indígenas ganharam espaço no Estado, principalmente através da grande assembleia guarani, a Aty Guasu. 

Após a guerra entre Brasil e Paraguai, entre 1864 e 1870, foi registrada detalhadamente a presença dos Guarani (falantes do dialeto Ñandéva) e Kaiowá na fronteira entre Brasil e Paraguai. Mesmo assim, foi assinado contrato entre o Estado brasileiro, à época um Império, e a Cia. Matte Larangeiras, permitindo a exploração da erva-mate na região em que estavam os indígenas. Os trabalhadores envolvidos no serviço da extração da erva-mate já eram Guarani. Como, para a realização desse extrativismo vegetal, não se expulsavam os indígenas do seu território tradicional, e, assim, havia poucos conflitos entre os Guarani-Kaiowá e não indígenas. 

O SPI (Serviço de Proteção aos Índios), desconhecendo o modo de viver dos Kaiowá e Guarani e o modo de ocupar seus territórios, instituiu entre 1915 e 1928 oito minúsculas reservas. Nestas reservas esse órgão impôs um ordenamento militar, educação escolar, assistência sanitária e favoreceu as atividades das missões evangélicas que se instalavam na região. Os funcionários do SPI e outros colonizadores não se conformavam com o modo espalhado (sarambi) dos indígenas de ocupar o espaço. Era preciso concentrar os indígenas para possibilitar a ocupação de seus territórios. Várias famílias extensas estabeleceram morada nessas reservas do SPI, mas muitas outras continuaram vivendo nas matas da região. Entre as décadas de 50 e 80, durante a implantação das fazendas, muitos Guarani-Kaiowá trabalharam na derrubada de todo o mato da região que habitavam. Logo em seguida, os fazendeiros recém-assentados, aliados ao poder político da região e à ditadura em vigor, começaram expulsar e dispersar de forma violenta as famílias Guarani-Kaiowá dos seus territórios tradicionais. 

Como reação a esses atos truculentos dos fazendeiros e seus capangas, emergiu na década 80 um movimento político pouco conhecido no restante do país, a grande assembléia guarani e kaiowá, Aty Guasu. O objetivo foi o de fazer frente ao processo sistemático de etnocídio, a expulsão e dispersão forçada das famílias extensas indígenas do seu território tradicional. Das Aty Guasu participam hoje centenas de lideranças Guarani-Kaiowá. Durante esses eventos, ao mesmo tempo em que ocorrem discussões políticas, se realizam também rituais para o fortalecimento da luta. É das Aty Guasu que partiram nas últimas décadas as reivindicações de demarcação de terras, além de denúncias e sugestões sobre possíveis soluções para o problema dos Guarani-Kaiowá. 

Apesar das dificuldades, muitas das reivindicações, aos poucos, vêm sendo atendidas pelos poderes públicos. Além de organizar as Aty Guasu, os Guarani-Kaiowá passaram a reocupar partes de seu território que já se encontravam identificada, mas ainda permaneciam na posse de fazendeiros. Depois da retomada desse pedaço da terra, os indígenas mudavam definitivamente para essas áreas, saindo das reservas do SPI ou das margens de rodovias onde se encontravam assentados depois de terem sido expulsos pelos fazendeiros. Ao mesmo tempo em que se organizou o movimento de retomada/reocupação de território tradicional Guarani-Kaiowá, os fazendeiros se organizaram e passaram a recorrer destacadamente a duas instâncias de poderes adversos para reprimir e extinguir o movimento indígena. Primeiro, passaram a recorrer a pistoleiros – que eles, recorrendo a um eufemismo, chamam de “seguranças armados” –, que despejam os indígenas dos locais reocupados, além de assassinar, massacrar, torturar crianças, mulheres e idosas indígenas. Os pistoleiros e seus contratantes agem impunemente há décadas na região e já atuaram dezenas de vezes contra grupos indígenas que retomavam suas terras.

Quando os pistoleiros não conseguem efetuar o despejo, os fazendeiros contratam advogados para conseguir a ordem de despejo da Justiça Federal, a ser realizada pelas forças policiais. A forma de agir dos agentes policiais não difere muito da dos pistoleiros: ambos utilizam armas pesadas, queimam as casas das comunidades indígenas, ameaçam e assustam crianças, mulheres e idosos. Muitos indígenas que foram vítimas de despejo e massacres, ao narrar suas histórias, nem conseguem saber se foram pistoleiros ou policiais os que agiram. 

No final de 2009, houve vários despejos e assassinatos dos indígenas realizados por pistoleiros na região de Cone Sul de MS. Além disso, neste primeiro semestre, estão em cursos vários processos que podem resultar em despejos, autorizados, ou não, pela Justiça. Muitos grupos Guarani-Kaiowá nessa situação já nem sabem mais a quem recorrer para garantir os seus direitos. Hoje, como se vê na mídia em MS, para grande parte dos políticos locais, missionários, jornalistas e, sobretudo, fazendeiros, os povos indígenas são invasores de terras, pagãos, infiéis e violentos, a serem evangelizados, pacificados, “civilizados”, denunciados e exterminados. Na concepção de muitos dos chamados “produtores rurais”, os indígenas não deveriam reivindicar a implementação dos seus direitos, nem deveriam contar com a proteção das leis e da Justiça brasileiras. Em alto e bom som, vários anunciam que os indígenas podem ser assassinados, massacrados e escravizados, sob o regime de ameaça de morte dos pistoleiros contratados.

De fato, os assassinatos de indígenas estão ocorrendo de forma perversa e cruel em todas as regiões do Mato Grosso Sul. Atualmente, a forma mais destacada de exploração ou escravização da mão-de-obra Guarani-Kaiowá são as usinas de álcool e açúcar. É evidente que essa dominação é não só permitida como também fomentada pelos próprios sistemas de poderes políticos e econômicos dominantes no Brasil. Os direitos indígenas garantidos na Constituição Federal estão sendo claramente ignorados em Mato Grosso do Sul.

Documento final da II Grande Assembleia das lideranças femininas ( Kuña Aty) Guarani-Kaiowá-MS


DOCUMENTO FINAL DA II KUNÃ ATY GUASU
ALDEIA JAGUAPIRU- DOURADOS- MS
25 A 29 DE ABRIL DE 2012

Nós Mulheres Indígenas Guarani kaiowa e Ñandeva, com a participação de rezadeiras, parteiras, artesãs, agentes de saúde, professoras e demais lideranças de todas os Tekoha (aldeias) do cone sul do Estado do Mato Grosso do Sul, reunidas na II Kunã Aty Guasu - Grande Assembleia de Mulheres Indigenas, realizada na aldeia Jaguapiru - Dourados- MS, nos dias 25 a 29 de abril de 2012, manifestamos, denunciamos e reivindicamos SAUDE E POLÍTICAS PUBLICAS PARA AS MULHERES INDIGENAS de nossos Tekoha.  

Unidas a todos os povos indígenas do Brasil na grande Mobilização Nacional, manifestamos nosso repúdio com a aprovação da PEC 215. Queremos dizer a todos nossos parentes que estamos na mesma luta e não desistiremos de nossos TERRITÓRIOS TRADICIONAIS.

Nós, Mulheres Indígenas, viemos a público manifestar nossa indignação!

Vivemos hoje em nossas aldeias um quadro de violência e marginalidade. Nossas crianças sofrendo desnutrição; nossos jovens sem direito a uma educação diferenciada e de qualidade, sem perspectiva de vida e de futuro, condenados ao suicídio e às drogas; nossas mulheres sofrendo toda sorte de descaso na saúde, enfrentando por meses e anos as numéricas filas sem serem atendidas pela SESAI, sem resultados. Sofrendo toda sorte de discriminação, violência doméstica, desprezadas e esquecidas por nossas autoridades e instituições governamentais em estado de sucateamento e corrupção. Enquanto o agronegócio cresce e cresce, invadindo nossas terras. “Poluíram nossos rios, destruíram nossas matas, nossa farmácia e nossa saúde. Destruiram nossa cultura, nosso tekoha, nossa vida e nossa dignidade, deixando nossas mulheres a mercê das rodovias, dos acampamentos e pequenas áreas, insuficientes para nossa sustentabilidade.” Além disso, somos nós mulheres, que mais sofremos as conseqüências dessa estrutura injusta que gera violência e morte em nossas famílias e nossos Tekoha.

Nós, Mulheres Indígenas, queremos de volta nossos direitos!
Exigimos:

  1. A urgente identificação e demarcação de nossas terras, como condição para diminuir a fome, a dependência e violência em nossos Tekoha. Reforçamos as propostas assumidas  no documento da Aty Guasu de Jaguapire nos dias 29 de fevereiro a 04 de março.
  2. Garantia de participação das mulheres e do Conselho do Aty Kunã nas instancias de controle social, bem como na concepção, construção e implementação de programas e ações governamentais voltados para nossos Tekoha ;
  3. O reconhecimento, fortalecimento de nossas práticas tradicionais, seja medicinal, religiosa, cultural e de produção alimentar voltadas para autonomia e auto afirmação de nossos Tekoha; 

Segurança para as Mulheres em nossas aldeias e acampamentos

  1. A Delegacia da Mulher funcione por período integral, inclusive aos finais de semana e feriado e atendimento diferenciado, respeitando a diversidade da língua e da cultura da mulher indígena;
  2. Criação e implementação de um centro de atendimento para a mulher indígena na aldeia Jaguapiru-Dourados.
  3. Sejam efetivadas e reforçadas os programas de segurança dentro das aldeias com especial atenção a mulher indígena, garantido o plantão de atendimento à noite e finais de semana.
  4. Sejam implementadas e efetivadas políticas específicas e diferenciadas bem como a promoção de programas de prevenção e combate a violência e descriminação contra a mulher indígena.
  5. Sejam criados, implementados e efetivados programas de capacitação de servidores (as) públicos(as) em gênero, cultura  e direitos humanos, de forma a garantir o direito à diversidade de língua e cultura das mulheres indígenas.

Saúde diferenciada e de qualidade e para a mulher indígena

  1. Que haja melhoria da qualidade de atendimento à população indígena em geral e em particular à mulher indígena. Que a SESAI assume sua responsabilidade e que o atendimento chegue às bases com qualidade e agilidade. “Estamos cansadas e ver nossas companheiras morrendo nas filas dos postos de saúde!”
  2.  Sejam criados, implementados e efetivados programas de capacitação em gênero, língua e direitos humanos aos agentes e demais profissionais da saúde de forma a garantir um atendimento humanizado e diferenciado às mulheres indígenas.
  3.  Sejam estabelecidos postos de saúde nos acampamentos tendo assegurados sua estrutura de recursos humanos, material e saneamento básico.
  4.  Implantação e implementação de mecanismos adequados de efetivo monitoramento e avaliação dos impactos ambientais dos projetos de monocultura e uso indiscriminado de agrotóxicos que atingem diretamente nossas aldeias causando intoxicações, envenenamentos e mortes.
  5. O acesso à água de qualidade é um direito humano básico. Garantir o acesso à água de qualidade e em quantidade suficiente em nossas aldeias (atenção especial a aldeia Bororó- Dourados).
  6. Criaçao de CAP’s, CREAS, CRAS e Posto de Saúde na aldeia Jaguapiru- Dourados, de modo a responder a demanda.
  7.  Que a SESAI planeje a compra de ambulância pra os postos de saúde que atenda as aldeias em tempo integral.

Sustentabilidade e Segurança Alimentar

  1. Garantir a implementação e efetivação de Políticas Públicas de Incentivo à produção sustentável de alimentos e outros gêneros necessários à nossa reprodução física e cultural, respeitando a diversidade de modos de produção tradicional em diálogo com outros saberes ecologicamente sustentáveis;
  2.  Garantir a recuperação das áreas degradadas, matas ciliares e implementar medidas compensatórias e indenizatórias pelos danos causados aos nossos territórios tradicionais;
  3. Implementar programas que fomentem o uso livre e autônomo das sementes crioulas ou tradicionais e que favoreçam a multiplicação de experiências como casas de sementes, bancos de sementes e outras desenvolvidas pelas comunidades indígenas.
  4. Que sejam priorizadas e garantidas programas de sustentabilidade e produção de alimentos nas áreas retomadas;


Considerando que as proposições acima são parte de nossos direitos constitucionais, solicitamos às autoridades competentes a garantia de sua implementação como reparação dos processos históricos de exclusão, violência e discriminação contra nosso povo.

Reafirmamos nossa disposição de consolidar nossa organização e articulação do Movimento de Mulheres Kaiowá Guarani e Ñandeva, somando com nossos companheiros na luta pela nossa terra e garantia de nossos direitos, construindo um país plural, mais justo e solidário.

Aldeia Jaguapiru - Dourados, 28 de Abril de 2012

quinta-feira, 26 de abril de 2012

O processo próprio de educação da criança Guarani-Kaiowá do MS-Artigo do Tonico Benites-antropólogo


O processo de educação básica das crianças guarani-kaiowá

Autor é o Tonico Benites-Guarani-Kaiowá, mestre e doutorando em antropologia do MN/UFRJ/RJ

Os povos guarani-kaiowá são resistentes pelo fato de ter vivido até hoje, praticando os seus rituais religiosos, profanos e falando a sua língua materna. Sobretudo, o povo guarani-kaiowá continua educando as crianças conforme o seu modo de ser e viver autêntico e específico teko porã.

 A base de organização social do povo guarani-kaiowá é centrada na família extensa. A família extensa é formada por pelo menos três gerações: avô, avó, filhos e filhas, genros e noras, netos e netas. Esta organização social é administrada e representada por um líder político e um xamã ou líder religioso que perdura até os dias atuais.
No passado, cada família extensa vivia de forma autônoma no seu território ancestral de controle exclusivo e residia numa única habitação grande construída nas cabeceiras das minas da água e próximo dos rios, distanciando-se dez (10) e vinte (20) quilômetros de outra grande família. Nesta habitação e no seu entorno os adultos educavam os jovens e as crianças, sendo as atividades cotidianas educativas divididas segundo o sexo e a idade. Recentemente, após o processo de aldeamento/confinamento da família extensa ocorreu o desaparecimento da casa grande que não significou uma mudança na centralidade desta organização da família extensa.

A família extensa é fundamentada na prática de reciprocidade e bela conversa. Aqui a reciprocidade significa, antes de tudo, a base de estabilidade e proteção no sentido emocional-afetivo, sobretudo fonte de alegria da criança. Como metodologia educativa, é transmitida a ideia de pertencimento à determinada família, fundamentada no princípio de dar e receber alguns bens materiais e imateriais. Esta prática educativa começa com as crianças e é reforçada no decorrer do processo de formação do jovem e do adulto.

Desse modo, os integrantes que são os responsáveis diretos pela educação (como pais e mães) são orientados pelos líderes (avó e avô) da família no sentido de vigiarem e avaliarem, além de repreenderem quaisquer atitudes consideradas incongruentes com as regras da família extensa. Neste sentido, há grande preocupação em garantir a construção e a fixação da personalidade e sua adequação ao estilo comportamental vivido pela família extensa.

Nos processos de transmissão de conhecimento, as lideranças e os suportes agregadores e protetores, como o avô e a avó, o pai e a mãe das crianças são pessoas fundamentais, com autoridade para intervir nos problemas internos conforme as normas morais já estabelecidas. Essas pessoas são consideradas “líderes-orientadores” legítimos pelos membros internos.

Tais “líderes-orientadores” ocupam-se em coordenar as atividades educativas cotidianas, educar e/ou orientar os comportamentos e as atitudes corretos teko porã das crianças. São divididos em dois grupos: o primeiro deles é composto pelas mulheres, subsidiado pelos homens; o segundo é constituído pelos homens. O primeiro grupo é determinante na educação das crianças. Todas as tarefas educativas são supervisionadas rigorosamente pelas lideranças e adultos mais experientes.

No âmbito da família extensa, para ensinar as crianças e os jovens de modo correto, é feita uma classificação das crianças por ciclo de crescimento, considerando-se os diversos momentos por que passam as crianças. São levados em consideração o estado e a característica de cada alma gradativamente assentada no corpo da criança, observando-se a sua força e a sua fraqueza, visto que a condição da alma é a condição vital para o bom desenvolvimento da aprendizagem e do crescimento saudável do corpo da criança.

Durante o primeiro ano de vida, antes de a criança pisar no chão, a alma é extremamente instável e insegura; transita entre o corpo e o lugar de origem, localizado no universo do Cosmo Guarani.

A outra fase começa com o primeiro contato com o chão, ao rastejar e andar, ao reproduzir a fala e se comunicar. Nesse período, as crianças ganham liberdade vigiada, mas somente no espaço familiar, sob o olhar da mãe, da avó e de todos (as) integrantes da família.

Segue-se a fase de fazer a imitação do comportamento e a reprodução de frases ou ideias do adulto. Esta fase é considerada a mais delicada e preocupante, porque é o início da imitação, da reprodução e da incorporação de qualquer comportamento e atitude, sejam eles positivos ou negativos.

Por isso, a educação da criança nesta última fase é rigorosamente monitorada pela mãe, pela avó e pelos demais integrantes da família. As crianças de ambos os sexos permanecem com a liberdade vigiada para circularem, brincarem juntos no espaço exclusivo da família extensa, locais onde a observação direta é feita continuamente pela mãe e pela avó.

É na casa da avó e avô que as crianças passam diariamente a maior parte do seu tempo, sendo ela considerada como um importante centro de encontro diário da família para conselhos, informações, entretenimento e conciliação. É um lugar de alegria e risos, gerados pela interação entre as crianças e os adultos. As crianças com mais idade estão também disponíveis, a serviço da família, frequentemente levando e trazendo algo comestível e recados entre os seus diversos integrantes.

Neste contexto interno da família, as crianças maiores cuidam das menores, de modo que todas são educadas juntas nestes mesmos espaços, por meio de práticas educativas que servem para todas as crianças, até 12 anos de idade, de ambos os sexos.

A liderança feminina está inter-relacionada, por meio de diálogo frequente, com a liderança masculina. Estes homens, com o aval das mulheres, planejam as atividades diárias, indo à procura de satisfazer as demandas e precisões da família, sobretudo as necessidades urgentes, indicadas pelas mulheres, tais como entre elas a alimentação e as vestimentas, visto que as demandas femininas e as das crianças são priorizadas pelos homens.

Todos esses líderes da família extensa são o suporte vital para a criança e o jovem vir a posicionar-se como membros de uma organização social. Esses líderes são continuamente procurados pelos seus agregados com o intuito de buscar soluções possíveis para problemas cotidianos, assim como pelo apoio afetivo emocional, segurança e os recursos materiais.

A lógica educativa decorre de uma situação de aconselhamento individual, coletivo e diálogo diário com os seus membros sobre o modo de ser e viver adequado no contexto atual.

 No passado, os líderes femininos e masculinos das famílias extensas eram, em sua maioria, basicamente xamãs e os seus auxiliares.

Por fim, hoje em dia, nem todos os líderes-suporte de cada família extensa são xamãs, mas eles agem fundamentalmente de modo muito similar aos anteriores, sendo caracterizados como pessoas religiosas, pacientes, acolhedoras, que de fato possuem também vasta experiência de ouvir, comunicar-se, educar e aconselhar as crianças, respeitando as distintas faixas etárias. Embora os espaços territoriais e contextos anteriores tenham mudado ao longo do tempo, em parte o modo de ensinar as crianças permanece como era no passado, isto é, o ensino doméstico é realizado através do método oral, repetitivo e contextualizado, baseado nos interesses reais de cada família extensa contemporânea.

segunda-feira, 16 de abril de 2012

Ameaça de morte de Guarani-Kaiowá Tonico e família publicado no site http://www.survivalinternational.org/



Brasil investiga ameaças de morte para ativista Guarani

16 de abril


Índios Guarani. Tonico Benites está lutando pelo direito do Guarani de viver em suas terras. 

As autoridades brasileiras estão investigando ameaças de morte aos Guarani e antropólogo Tonico Benites ativistas.

Benites e sua família foram interrompidos por um homem armado com dois revólveres, em uma estrada perto da fronteira do Brasil com o Paraguai. O homem roubou dinheiro Benites, disse que ele estava criando "caos" na área e alertou que, se ele não parar, ele iria "perder tudo" e não viver.

Benites é estudar o conflito de terras entre fazendeiros e índios Guarani no Brasil, e ao lado de Guarani outro, ele está lutando para os índios "direito de viver em sua terra ancestral.

Benites disse Survival, 'Eu pertenço ao território Guarani, onde nasci, onde cresci, onde eu morava e onde eu vou morrer ... eu vou continuar lutando ... Estou orgulhoso de pertencer ao povo Guarani, que lutam para garantir um futuro mais digno e justo para seus filhos '.

Grande parte do território do Guarani tem sido roubadas para dar lugar a fazendas e plantações de cana, e muitas comunidades estão agora a viver em reservas superlotadas ou em acampamentos de beira de estrada.
Indivíduos Guarani e comunidades que lutam para retornar à sua terra muitas vezes enfrentam ameaças e violência.

Benites disse que os Guarani estão "esperando ansiosamente para a ação adequada do governo sobre a demarcação de nossas terras ancestrais, e os crimes cometidos por fazendeiros contra os povos indígenas.
Sobrevivência está fazendo lobby junto ao governo brasileiro a mapear e proteger as terras para os índios, e garantir sua segurança.

Download do relatório da Survival, a ONU , que descreve a situação do Guarani.

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Aja agora para ajudar o Guarani
O seu apoio é vital para a sobrevivência do Guarani. Há muitas maneiras que você pode ajudar.
  • Doações para campanha da Survival para o Guarani
  • Escreva para o governo brasileiro utilizando a ferramenta de sobrevivência da carta escrita on-line
  • Escreva para o MP ou MEP (Reino Unido) ou senadores e membros do Congresso(EUA).
  • Escreva para o seu local de embaixada brasileira
  • Se você quiser se envolver mais, entre em contato Sobrevivência

Aty Guasu repudia racismo e pede punição exemplar de "estudante douradense" não indígena.


Estudante chama índios de “fedorentos”, vira alvo de investigação e de “linchamento virtual”

Ângela Kempfer
Xuxa e Bruno, um dos integrantes do Brô MC's.

Um comentário infeliz deu margem a mais um linchamento virtual via Facebook e provocou investigação do Ministério Público Federal por racismo.

Em postagem atribuída a Lizzi Donizette, uma estudante de Dourados, os integrantes do grupo de rap Brô MC’s são chamados de “índios fedorentos”. A mensagem foi escrita depois que o grupo de jovens guarani kaiowá participou do programa TV Xuxa, no último sábado.
A denúncia foi encaminhada ao MPF, com cópia da página e frases também do tipo “que lixo véi..”, “pintou uma vergonha”, "esse MS só queima".

Para saber se foi Lizzi a real autora das agressões, o MPF vai requisitar informação aos administradores do Facebook.

“Se forem verídicas, poderá ser instaurado inquérito e posterior processo penal pelo crime de racismo, previsto pelo artigo 20 da Lei 7.716/89. A pena prevista para esse crime é de um a três anos de reclusão. Quando o crime é cometido por intermédio dos meios de comunicação social ou publicação de qualquer natureza, a pena passa a ser de dois a cinco anos de prisão e multa”, informa a assessoria do órgão.

Amigos da estudante turbinam a conversa agredindo, inclusive, a apresentadora. “Cínica”, escreve outra jovem, questionando a verdade de Xuxa sobre o encantamento com o grupo que canta rap na língua indígena.

Quem reproduziu os comentários racistas também está sujeito às mesmas penalidades.O assunto foi um dos temas mais polêmicos do dia hoje nas redes sociais, com centenas de compartilhamentos e pedidos de investigação, a maioria de moradores de Dourados.

Entre as mensagens contra a autora também aparecem xingamentos pesados. Alguns dos mais leves são “menina mimada”, “desvairada”, “se manifestar sim, ofender e discriminar, nunca!”.

O Ministério Público Federal lembra que em 2011 o advogado e articulista Isaac Duarte de Barros Júnior foi condenado a dois anos de prisão pelo crime de racismo contra a etnia guarani, a mesma do grupo de rap.

Na sentença, o juiz afirmou que a liberdade de expressão não é uma garantia absoluta. “A dignidade da pessoa humana, base do estado democrático de direito, prevalece sobre qualquer manifestação de pensamento que incite ao preconceito ou à discriminação racial, étnica e cultural”.

Lado B tentou entrar em contato com Lizzi também pelo Facebook, mas não obteve resposta.

Veja o Brô MC's no programa da Xuxa:


Dia do Índio de 2012-Nota do Conselho da Aty Guasu Guarani-Kaiowá ao Governo e Justiça Federal


Nota do Conselho da Aty Guasu Guarani-Kaiowá ao Governo e Justiça Federal

Considerando o “Dia do Índio” oficial do Brasil, 19 de Abril, um dia especial em que comumente a sociedade em geral e autoridades municipais, estaduais e federais lembram-se dos indígenas, nesse contexto, nós lideranças Guarani-Kaiowá da grande assembleia Aty Guasu vimos por meio desta nota repudiar a continuidade da ameaça de morte das lideranças indígenas das terras reocupadas no  Cone Sul de Mato Grosso do Sul e pedir, mais uma vez, às autoridades federais para concluir a investigação/inquéritos de assassinato de lideranças, sobretudo solicitar a investigação da ameaça de morte das lideranças Guarani-Kaiowá. Por fim, requeremos novamente a publicação imediata dos relatórios antropológicos de identificação de todos os territórios tradicionais Guarani e Kaiowá.

Uma das ameaças de morte destacada das lideranças Guarani-Kaiowá ocorreu em estrada pública próximo da aldeia Pirajuí/Paranhos/MS, no dia 06 de abril do ano corrente.  (vide abaixo mensagem escrita pelo antropólogo e líder Guarani-Kaiowá Tonico Benites divulgada amplamente na mídia nacional e na comunidade científica das diversas universidades brasileiras - link).

Com honra, reconhecemos que o líder e professor Tonico Benites é único na história do povo Guarani-Kaiowá que conseguiu concluir mestrado em Etnologia/ Antropologia Social e continuar cursando o doutorado na UFRJ. Ele foi consultor do Ministério da Educação/MEC. Como cientista social o Tonico colaborou de diversas formas com os Grupos Técnicos de Identificação e Delimitação de Terras Indígenas Kaiowá em Guarani em Mato Grosso Sul. Além disso, desde criança, ele desempenha o papel importante de tradutor/interprete de lideranças kaiowá e guarani da Aty Guasu, tomemos conhecimento que ele sofreu ameaça e está sendo ameaçado de morte, por essa razão, pedimos a segurança e proteção tanto para o Tonico Benites quanto para demais lideranças Guarani-Kaiowá ameaçadas dos territórios em conflito.

Além disso, nesta nota destacamos a situação mísera, perplexa e instável permanente de vida de (trinta mil)30.000 Guarani-Kaiowá expulsos dos territórios tradicionais que se encontram em oito (08) Postos Indígenas/aldeias superlotadas criada entre 1915 e 1928 pelo órgão indigenista Serviço de Proteção aos Índios (SPI). Há mais de 5 mil Guarani-Kaiowá despejados das terras antigas que estão dispersos nas pequenas áreas/acampamentos em conflito, nas margens das rodovias BR e nas periferias das cidades do Cone Sul de MS. De fato, a vida mísera e instável, ameaça, assassinatos, suicídios e desnutrição que atingem a nova geração Guarani e Kaiowá são o resultado direto de violentas expulsões dos indígenas dos territórios antigos praticadas por pistoleiros das fazendas do atual Cone Sul de MS ao longo das décadas de 1970 e 1980.

Nestas reservas/aldeias não há mais espaço, recursos naturais, mina d’ água, são superlotadas e, por conta desta superlotação, há nelas muita violência. De fato, em decorrência desses vários despejos violentos já resultaram centenas de suicídios, mortes por desnutrição em todas as reservas/aldeias superlotadas. Nestas reservas e na margem da rodovia BR não há como praticar e preservar mais nosso modo de ser e viver Guarani-Kaiowá. Diante disso que muitas famílias Guarani-Kaiowá decidiram e tentaram retornar aos territórios antigos, ocupando pequenas parcelas de terra ascentral, com o objetivo de sobreviver culturalmente e para praticar os rituais religiosos e se afastar do mundo de violências das reservas/aldeias superlotadas. Como exemplo, temos: As comunidades de Laranjeira Ñanderu -Rio Brilhantes-MS, Takuará-Juti, Kurusu Amba-Coronel Sapucaia, Guaiviry-Aral/Moreira, Guyra Roka-Caarapó, Ypo’i-Paranhos, Pyelito Kue e Mbarakay-Iguatemi entre outros. Nestes pequenos espaços reocupados por famílias extensas Guarani-Kaiowá, em que ocorre diariamente a prática de rituais religiosos e profanos, os grupos recomeçaram revitalizar as culturas tradicionais que garantem a boa vida futura. Isto não é mais possível nas reservas/aldeias e na margem das rodovias BR.

Já vivemos e sentimos que as consequências das ações de ameaças de morte, ataque e despejos tanto pelos pistoleiros das fazendas, quanto pela Justiça, os resultados foram, são e serão extremamente truculentos e nocivos para a nova geração Guarani-Kaiowá.  

Entendemos que a ameaça de morte e os assassinatos das lideranças faz parte de um processo sistemático de etnocídio/genocídio histórico. Assim, a impunidade de autores e mandantes de violências contra povos indígenas brasileiros alimentam o extermínio total do povo Guarani-Kaiowá do Cone Sul de Mato Grosso do Sul.
Ressaltamos que nos Guarani e Kaiowá temos uma ligação especial com o território próprio, pertencemos à determinada terra sagrada específica, não pertencemos a qualquer terra do Cone Sul de MS. Assim, a terra ocupada por nossos recentes antepassados é vista por nós como uma fundamentação de vida boa, vida em paz, sobretudo é a fonte primária de saúde, bem estar da comunidade e famílias indígenas.  Dessa forma, o nosso território ascentral é vital para nossa sobrevivência e desenvolvimento de atividades culturais que permitem a vida boa como um forte sentimento religioso de pertencimento à terra antiga, fundamentada em termos cosmológicos, sob a compreensão de que nos Guarani-Kaiowá fomos destinados, em nossa origem, como humanidade, a viver e a cuidar deste específico território antigo.

Diante disso, vimos através desta nota apresentar os nossos pedidos ao Governo Federal e Justiça brasileira. Nosso povo Guarani-Kaiowá quer sobreviver fisicamente e culturalmente como povo originário do Brasil. Não queremos ser extintos pela própria ação e mando dos fazendeiros e agronegócio, etc. Como primeiro povo indígena do Brasil e da America do Sul, a principio, queremos ser protegidos pelo Governo Federal,  Justiça brasileira e legislações internacionais.

Queremos que o Governo Federal e Justiça Brasileira considerem em primeiro lugar que as reservas/aldeias indígenas existentes no Cone Sul do atual Estado de Mato Grosso do Sul são superlotadas, onde não há mais espaço, infraestrutura e recursos naturais para sobreviver como povo Guarani-Kaiowá. Nas margens da rodovia há diversos perigos de vida e miséria e nos acampamentos há isolamento, cerco e ameaça de pistoleiros.

Não queremos ver mais as nossas lideranças, os nossos parentes serem ameaçados, assassinados e expulsos dos pequenos espaços em seus territórios tradicionais, aumentando e alimentando mais violências contra o povo Guarani-Kaiowá. Por essa razão, nós lideranças e porta vozes da assembleia do Aty Guasu do povo Guarani Kaiowá do MS, nesta semana do Dia do Índio de 2012, pedimos reiteradamente, a conclusão de inquéritos policiais abertos para apurar assassinatos de lideranças Nisio Gomes, Rolindo e Genivaldo Vera entre outros e, sobretudo a punição dos autores e mandantes. Por fim, solicitamos a conclusão imediata e publicação dos relatórios antropológicos de identificação de todos os territórios tradicionais guarani e kaiowá em estudo.

Atenciosamente,                                                                                      
Conselho da Aty Guasu Guarani e Kaiowá- Dourados, 16 de abril de 2012.